Holocausto ou Shoah (palavra hebraica que significa, literalmente, “destruição, ruína, catástrofe”) é o termo utilizado para denominar o fenômeno de destruição sistemática – perseguição, exclusão sócio-econômica, expropriação, trabalho forçado, tortura, ghetoização e extermínio de seis milhões de judeus da Alemanha e da Europa ocupada entre 1933 e 1945 pelo regime nacional-socialista, desempenhando o aprimoramento da técnica a favor do assassinato em massa um papel importante na dimensão e eficiência do extermínio. Essas seis milhões de vítimas representavam 65% da população judaica européia da época e 30% da população judaica no mundo. O Holocausto tornou-se o símbolo representativo da barbárie do século XX.
A palavra holocausto tem origem grega (‘holókauston’) e conotação bíblica, significa “sacrifício em que a vítima é queimada viva”, ou “sacrifício pelo fogo”. Foi usada na tradução grega da Bíblia para a palavra hebraica oleh, que designa um tipo de sacrifício dedicado a Deus, apresentando o mesmo significado entre os antigos hebreus. Pela sua significação, a palavra Holocausto é considerada inapropriada, mas ela adquiriu na historiografia e na literatura o sentido histórico expresso por Shoah. Nas últimas décadas o termo Shoah tem sido mais utilizado, em especial em decorrência do famoso documentário Shoah de Claude Lanzman, de 1985. A historiografia também utiliza o termo “Auschwitz” para expressar o fenômeno do Holocausto, por Auschwitz ter sido o maior campo de assassinato em escala industrial e das demais atrocidades do nazismo.
O Holocausto foi um processo que evoluiu por etapas, mas não é um processo linear: primeiro definiu-se quem eram os judeus; em seguida eles foram excluídos econômica e socialmente, expropriados, confinados em campos de concentração e guetos, deportados e assassinados. As mortes ocorriam de formas diversas: por fome, doença, fuzilamento, tortura ou uso de gás. De acordo com historiadores como Götz Aly, Wolfgang Benz e Hans Mommsen, a perseguição aos judeus ocorreu em quatro etapas. A primeira (1933 a 1935) foi a da discriminação e início da exclusão da vida pública, com medidas como proibição do exercício de profissões liberais, de freqüência a escolas e universidades e de boicote contra lojas judaicas. A segunda fase compreende os anos de 1935 a 1938: isolamento e degradação, que se inicia com as Leis de Nuremberg, segundo as quais os judeus deixavam se ser considerados cidadãos e eram proibidos de se casar com “arianos”, sob pena de morte. Na terceira fase, de 1938 a 1941, iniciada a partir da “Noite dos Criastais Quebrados”, o primeiro pogrom do século XX, e marca o início da violência física em massa contra os judeus e da deportação para os campos de concentração. 30 mil judeus alemães e austríacos foram presos e deportados a campos de concentração pela Gestapo. Nesse momento, os judeus foram completamente banidos da vida econômica na Alemanha. As propriedades judaicas foram colocadas em contas e confiscadas pelo Estado. Nesse período, eclode a Segunda Guerra Mundial, a expansão do “espaço vital” da Alemanha nazista, o aumento das vítimas, dos campos, e se inicia o confinamento em guetos dos judeus. A quarta e última fase, de 1941 a 1945, é a da “Solução Final da Questão Judaica” – ou seja, do extermínio em massa pelas Einsatzgruppen(“operações móveis de assassinato”, um comando da SS, as Schutzstaffel, tropas de defesa) e nos campos de extermínio, todos localizados na Polônia, país onde se encontrava a maior concentração populacional judaica da Europa. Os campos de extermínio eram Sobibor, Treblinka, Chelmno, Auschwitz e Majdanek, sendo estes dois últimos também campos simultaneamente de concentração, trabalho forçado e extermínio. Há autores que também consideram o campo de Jasenovac, na Croácia, como campo de extermínio.
Mais recentemente, a historiografia também inclui as demais vítimas do nazismo no conceito de Holocausto: 1,5 milhão de opositores políticos (sobretudo comunistas e social-democratas), 3 milhões de prisioneiros de guerra, 20 milhões de russos (centenas desses incluídos na categoria de inimigos políticos e prisioneiros de guerra), 600 mil sérvios, 500 mil sinti e roma (“ciganos”), 200 mil poloneses, 200 mil maçons, 70 mil deficientes físicos e mentais, 15 mil homossexuais, 5 mil testemunhas de Jeová, além dos denominados “a-sociais” e dos negros. Utilizamos aqui o termo “sinti e roma” (“Sinti und Roma”), porque o termo “cigano” (“Zigeuner”) tornou-se pejorativo e, por isso, a historiografia utiliza os termos “sinti” e “roma”, os dois maiores grupos de ciganos da Europa, sendo o primeiro, “sinti”, o de ciganos não-nômados (estabelecidos na Alemanha há seis séculos) e o segundo, “roma”, de ciganos nômades, cuja maioria tem crença católica.
Há diferenças entre as políticas nazistas direcionadas aos diferentes grupos de vítimas. Houve uma política de extermínio total contra os judeus, sinti e roma, eufemisticamente denominada de “Solução Final da Questão Judaica” (“Endloesung der Judenfrage”) e “Solução Final da Questão Cigana” (“Endloesung der Roma und Sinti Frage”), respectivamente Os eslavos fizeram parte da política de extermínio, mas não do extermínio total (como o caso de judeus e sinti e roma): eslavos deveriam também sobreviver, para se tornarem escravos do Estado nazista. Os judeus, sinti, roma e eslavos foram vítimas do programa de “extermínio pelo trabalho” (“Vernichtung durch Arbeit”). Os judeus, os sinti e os roma foram vítimas de experimentos médicos. Nos guetos foram confinados em grande parte os judeus, mas em alguns deles também sinti e roma, e os guetos faziam parte do extermínio deliberado – por fome, doenças ou exaustão – desses seres humanos.
Os sinti e roma foram internados em campos de concentração já em junho de 1936 (campo de ciganos Marzahn, em Berlin e no mesmo ano, no campo de Dachau). A 16 de dezembro de 1942 é emitida uma ordem para deportar todos os sinti e roma para Auschwitz, iniciando a implementação da “Solução da Questão Cigana”. Em conseqüência da similariedade das políticas contra judeus, sinti e roma, a historiografia cunhou recentemente o termo em romani (a língua dos sinti e roma) “Porajmos” (que significa “devorar”), para definir a política de perseguição, exclusão, trabalho forçado, tortura, ghetoização e extermínio sofrida por esse grupo social.
As primeiras vítimas da perseguição e do encarceramento dos nazistas foram alemães opositores do regime, em especial comunistas, social-democratas e sindicalistas, internados em campos de concentração já em março de 1933 (campo de Dachau). A partir de 1936, iniciou-se o aprisionamento de homossexuais, testemunhas de Jehová, alguns cristãos e os denominados “a-sociais, que eram um grupo bem heterogêneo: deficientes físicos e mentais, desempregados, sem-teto, criminosos, delinqüentes, prostitutas e assim denominados por não se encaixarem na imagem da comunidade alemã nazista,
Já em novembro de 1933, os primeiros testemunhas-de-jeová foram presos e em 1935, seu culto é proibido. Testemunha-de-Jeová é uma seita religiosa cristã, cuja doutrina se baseia na segunda vinda de Jesus, sua doutrina é contrária ao serviço militar e a símbolos nacionais. Os testemunhas-de-Jeová se recusam a servir ao exército, votar e a fazer a saudação “Heil Hitler”. Muitos seguidores passaram a ser internados em campos de reeducação e de concentração, em ondas de aprisionamentos em 1936, 1937, 1939 e 1944, onde ficavam separados dos demais grupos. Os nazistas lhes ofereciam a liberdade, se renunciassem às suas crenças, mas nenhum deles o fez. Eles também se negaram a fugir e a realizar resistência ativa.
Os homossexuais alemães e austríacos (e não da Europa inteira) foram vítimas do nazismo, por o homossexualismo ser condenado pelo nazismo como uma “aberração” e contradizer o princípio fundamental da “raça ariana pura”. Discriminados, eles passaram a ser internados em campos de concentração já em 1936.
Os negros foram discriminados desde o início do regime nazista, porque considerados como inferiores e perigosos para a “raça ariana”. A esterilização dos filhos de descentendes de negros na Alemanha foi decidida no início de 1937. Tratava-se dos filhos de soldados franceses e norte-americanos com mulheres alemãs, os assim denominados “bastardos de Rheinland” (“Rheinlandbastarden”), soldados do período da ocupação de Rheinland, descendentes de negros. Aproximadamente 400 dessas crianças e adolescentes foram esterilizados à força. A política racista estendeu-se também aos negros das colônias africanas alemãs depois da invasão da Alemanha à URSS, a partir de quando também passaram a ser perseguidos.
O Programa de “Eutanásia”, também denominado de Operação T4, foi o nome do programa de “eliminação da vida que não merece ser vivida” (“Umwaentiges Leben”), que os nazistas utilizaram para referir-se eufemisticamente ao assassinato de deficientes físicos e mentais e de anciãos. A Operação T4 foi iniciada com o processo de esterilização, da qual também filhos de negros foram incluídos. Depois da eclosão da Segunda Guerra Mundial, na passagem de 1939 a 1940, clínicas psiquiátricas tornaram-se centros de eutanásia, onde médicos decidiam aqueles que seriam assassinados e, juntamente com enfermeiros, assassinavam as vítimas com gás Zyklon B (cianuro de Hidrogeno), extremamente venenoso e que seria posteriormente utilizado nas câmaras de gás dos campos de extermínio. Em decorrência de protestos da população, a Operação T4 passou a ser legalmente encoberto pelo regime em abril de 1940 e a ser continuado secretamente em seis centros de “Eutanásia” instalados e localizados no território do Reich Alemão (Alemanha e Áustria anexada): Brandenburg/Havel, Grafeneck, Sonnenstein, Bernburg, Hadamar, Grafeneck, Hartheim. Mais de 70 mil deficientes e anciãos foram assassinados por esses programa e em seus centros foram também assassinados prisioneiros de campos de concentração de Dachau e Mauthausen